Morre
a maior especialista em Shakespeare do Brasil; crítica teatral Barbara Heliodora, aos 91 anos; estava internada
desde o fim de março; o velório será realizado neste sábado, no
Memorial do Carmo, no RJ.
A
crítica teatral Barbara Heliodora, considerada a maior especialista
em Shakespeare do Brasil, morreu às 5h da manhã desta sexta-feira.
Ela estava internada no Hospital Samaritano, na Zona Sul do Rio,
desde o dia 23 de março.
Em novembro, recebeu alta do mesmo hospital
após passar mais de uma semana internada com suspeita de pneumonia.
Barbara
Heliodora deixa três filhas, de dois casamentos, e quatro netos. O
velório será realizado neste sábado, a partir de 8h, na Capela 1
do Memorial do Carmo, no Rio — a cremação está marcada para 15h,
no mesmo local.
Uma
espécie de tensão silenciosa se instalava quando ela chegava ao
teatro, como se anunciasse: Barbara Heliodora, a grande dama da
crítica teatral brasileira, chegou. Era fácil distingui-la. Trazia
os belos cabelos brancos sempre bem penteados, os óculos generosos
bem equilibrados sobre o nariz afilado, a postura ereta. Parecia uma
senhora sorridente inglesa, daquelas que observam com prazer e rigor
o chá servido em finas xícaras de porcelana. A alusão à
Inglaterra não é gratuita. Barbara Heliodora estava entre as
maiores especialistas (e tradutoras) na obra do mais celebrado dos
autores ingleses, William Shakespeare.
O país acaba de perder a
inteligência arguta, o humor ferino e a sinceridade dolorosa
de Barbara Heliodora, que marcou sucessivas gerações com suas
críticas afiadas — publicadas de 1986 a 2014 no Segundo Caderno do
GLOBO.
Seu
estilo inconfundível, sem papas na língua, a tornou o nome mais
temido da crítica artística contemporânea, o que lhe rendeu
algumas brigas e outras tantas polêmicas públicas. Entre as mais
virulentas, está a contenda com o diretor Gerald Thomas, que chegou
a proibir sua presença em seus espetáculos. Ulisses Cruz, em 1996,
barrou-a à porta do teatro, na estreia de sua montagem de “A dama
do mar”, de Ibsen. Mas nem frases como “meu pobre Shakespeare
sofre mais um triste golpe nessa bobajada insana”, ou “é um
crime lesa-Molière; se houve direção, ela é um desastre”
expressam o máximo de seu desagrado: “Às vezes é um verdadeiro
horror, muito pior do que escrevo nos textos. Como é que não
percebem que estão apresentando tamanha porcaria?”.
O
diretor Henrique Tavares criou, inspirado em sua figura, “Barbara
não lhe adora”(1999), comédia que extraía graça da figura do
crítico famoso e rigoroso. “A crítica condescendente é um
engano”, costumava dizer Barbara.
Diretores e atores do teatro carioca sabem bem disso. E, concordando ou não com suas análises, ninguém ficava indiferente ou deixava de dar valor à atenção e ao cuidado da análise da veterana especialista — fosse à qualidade da iluminação ou aos detalhes do cenário. Nos últimos anos, mesmo com idade avançada, e já debilitada pelas sucessivas pneumonias que acabaram por vencê-la, Barbara mantinha uma rotina profissional impressionante, assistindo de quinta a domingo a espetáculos para todos os gostos e de todos os níveis: de iniciantes a consagrados nomes da cena teatral.
Diretores e atores do teatro carioca sabem bem disso. E, concordando ou não com suas análises, ninguém ficava indiferente ou deixava de dar valor à atenção e ao cuidado da análise da veterana especialista — fosse à qualidade da iluminação ou aos detalhes do cenário. Nos últimos anos, mesmo com idade avançada, e já debilitada pelas sucessivas pneumonias que acabaram por vencê-la, Barbara mantinha uma rotina profissional impressionante, assistindo de quinta a domingo a espetáculos para todos os gostos e de todos os níveis: de iniciantes a consagrados nomes da cena teatral.
SHAKESPEARE
E FLUMINENSE, PAIXÕES DESDE A INFÂNCIA
Nascida
no Rio de Janeiro em 29 de agosto de 1923, Heliodora Carneiro de
Mendonça ganhou o primeiro nome pelo qual ficou conhecida após ser
batizada. Filha de Marcos Carneiro de Mendonça, historiador e
goleiro-galã do primeiro time do Fluminense e da seleção
brasileira, e da poeta Anna Amélia de Queiroz, herdou do pai a
paixão pelo futebol e pelo time das Laranjeiras, e da mãe o amor
por Shakespeare — foi ela que, lhe deu, quando tinha 12 anos, uma
edição completas das obras do bardo, em inglês.
Uma
das mais importantes e respeitadas pesquisadoras do teatro
brasileiro, Barbara Heliodora iniciou a carreira profissional como
crítica de teatro em 1958, no jornal “Tribuna da Imprensa”. No
ano seguinte já assinava uma coluna especializada em artes cênicas
no “Jornal do Brasil”, onde suas rigorosas e bem fundamentadas
análises passaram a exercer considerável influência na cena
teatral carioca e na modernização da crítica
especializada.
Integrante e uma das líderes do Círculo Independente de Críticos Teatrais, Barbara atuou como crítica até 1964, quando se afastou do “Jornal do Brasil” para assumir a direção do Serviço Nacional de Teatro (SNT), cargo que exerceu até 1967. Daí em diante, dedicou-se integralmente ao ensino. Como professora do Conservatório Nacional de Teatro e também do Centro de Letras e Artes da UniRio, lecionou História do Teatro, entre outras disciplinas, até a sua aposentadoria, em 1985.
Integrante e uma das líderes do Círculo Independente de Críticos Teatrais, Barbara atuou como crítica até 1964, quando se afastou do “Jornal do Brasil” para assumir a direção do Serviço Nacional de Teatro (SNT), cargo que exerceu até 1967. Daí em diante, dedicou-se integralmente ao ensino. Como professora do Conservatório Nacional de Teatro e também do Centro de Letras e Artes da UniRio, lecionou História do Teatro, entre outras disciplinas, até a sua aposentadoria, em 1985.
Apesar
de afirmar que nunca nutriu verdadeiro desejo em se tornar atriz —
“o ator tem que ter um grande prazer em pisar no palco. E eu não
tenho” —, em 1948 ela assumiu o papel da Rainha Gertrudes, em
“Hamlet”, mas teve de ser substituída ao saber que estava
grávida da filha Patrícia. Barbara foi substituída por ninguém
menos que Cacilda Becker. Dez anos mais tarde, ela voltaria a atuar
em peças do Tablado, espaço de referência idealizado e dirigido
por Maria Clara Machado.
Nos
anos 1970, ela deu uma guinada na sua carreira como teórica, tendo
seus primeiros livros publicados. O primeiro deles, “Algumas
reflexões sobre o teatro brasileiro” (1972). Em 1975, como
acadêmica da USP, defendeu a tese de doutorado “A expressão
dramática do homem político em Shakespeare”, publicado
posteriormente em livro.
Ao aprofundar seus estudos sobre Shakespeare, Barbara se tornou referência internacional sobre o mais importante autor da dramaturgia universal, tendo representado o país em eventos internacionais e publicado ensaios em publicações conceituadas, como o Shakespeare Survey, na Inglaterra. O repertório intelectual acumulado sobre o autor a transformou, pouco a pouco, numa das principais tradutoras da obra de Shakespeare, tendo assinado a versão brasileira para clássicos como “A comédia dos erros”, “Sonho de uma noite de verão”, “O mercador de Veneza”, “Noite de Reis”, “Romeu e Julieta”, “César e Cleópatra” e “Rei Lear”.
Ao aprofundar seus estudos sobre Shakespeare, Barbara se tornou referência internacional sobre o mais importante autor da dramaturgia universal, tendo representado o país em eventos internacionais e publicado ensaios em publicações conceituadas, como o Shakespeare Survey, na Inglaterra. O repertório intelectual acumulado sobre o autor a transformou, pouco a pouco, numa das principais tradutoras da obra de Shakespeare, tendo assinado a versão brasileira para clássicos como “A comédia dos erros”, “Sonho de uma noite de verão”, “O mercador de Veneza”, “Noite de Reis”, “Romeu e Julieta”, “César e Cleópatra” e “Rei Lear”.
Suas
muitas conferências sobre o assunto foram reunidas no livro “Falando
de Shakespeare”(1997). Anos mais tarde, Barbaralançou outro volume
dedicado ao bardo, a coletânea de ensaios “Reflexões
shakespearianas” (2004). Em 2000, a convite da Academia Brasileira
de Letras (ABL), Barbara escreveu “Martins Pena, uma introdução”,
sobre um dos pais da dramaturgia brasileira.
Tradutora
de obras teóricas fundamentais da História do Teatro, como “O
teatro do absurdo”, “A anatomia do drama” e “Brecht: dos
males o menor”, todos de Martin Esslin, além de “Shakespeare”,
de Germaine Greer, Barbara voltou ao exercício da crítica teatral
em 1986, na revista “Visão”, e logo depois se estabeleceu como a
principal crítica teatral do jornal GLOBO, cargo que exerceu
ininterruptamente até janeiro de 2014, quando anunciou a sua
aposentadoria e foi substituída pelo colega de profissão Macksen
Luiz.
Mas
ao deixar a crítica teatral, ela não interrompeu seus trabalhos.
Continuou a receber em casa alunos de seu grupo de estudo sobre
Shakespeare e a escrever e a publicar livros. Em 2013 publicou “A
história do teatro no Rio de Janeiro” e “Caminhos do teatro
ocidental”; em 2014, teve fôlego para lançar “Shakespeare: o
que as peças contam — Tudo o que você precisa saber para
descobrir e amar a obra do maior dramaturgo de todos os
tempos”.
Como diretora teatral, Barbara assinou montagens como “Comédia de todo mundo”, de Eudnyr Fraga. Em 1999, ela assinou o texto e a direção do espetáculo “Um homem chamado Shakespeare”, e também dirigiu “A Rússia de Tchekov”.
Como diretora teatral, Barbara assinou montagens como “Comédia de todo mundo”, de Eudnyr Fraga. Em 1999, ela assinou o texto e a direção do espetáculo “Um homem chamado Shakespeare”, e também dirigiu “A Rússia de Tchekov”.
Fonte: O GLOBO